Umas palavras em prelúdio.
Bernard Nominé
Quando li os prelúdios que alguns de vocês escreveram em preparação para este colóquio vi que meus colegas brasileiros mencionaram a pandemia que afetou o mundo inteiro, mas que foi particularmente mortal no Brasil, sem dúvida por razões de uma política de saúde que não foi adaptada à situação.
Os próprios psicanalistas foram perturbados em sua prática pelas precauções e medidas de confinamento que impediram seus pacientes de assistir às sessões.
Como caracterizar o que aconteceu? O que a psicanálise pode dizer sobre isso?
Eu diria que fomos confrontados com a dura realidade da vida na Terra, enquanto nossa civilização hiper sofisticada nos levou a acreditar que tudo continuaria a ficar cada vez melhor no melhor de todos os mundos.
A gente pensava que as grandes epidemias tinham acabado, que estávamos a salvo de muitas coisas por causa da genialidade de nossos cientistas. Mas não! Este maldito vírus nos tirou de nossos sonhos e nos confrontou com a dura realidade de nossa existência na Terra.
Eu digo “dura realidade“. Evito usar a palavra “real“, que está tão na moda em nossos círculos.
Deixe-me explicar.
Para nós, alunos de Lacan, o real, que é?
Lacan adotou várias abordagens para definir esta categoria da estrutura.
A definição mais simples e provavelmente mais eficaz é uma definição por descarte: é real tudo o que não pode ser simbolizado por palavras e não pode ser representado por imagens.
Não por isso devemos deduzir rapidamente que o real é o que não podemos dominar.
Podemos realmente controlar os efeitos da fala?
A psicose nos diz claramente que não.
Podemos realmente controlar o efeito das imagens?
Hoje em dia, em nosso mundo equipado com telas de todos os tipos, sabemos que não é possível.
O que não podemos controlar não são tanto eventos externos – claro que há maus encontros, epidemias, enchentes, ciclones, incêndios, terremotos – mas o que não podemos controlar e o que nos incomoda é, acima de tudo, o que acontece dentro de nós e o que chamamos de “gozo”.
Agora este gozo, se faz parte do real de nossa humanidade, é despertado tanto por elementos simbólicos quanto por elementos imaginários.
A pandemia não escapou de nossa abordagem simbólica.
Nos piores momentos da primeira onda, eram-nos servidos todas as manhãs números para contar o número de contaminações, o número de pacientes em terapia intensiva, o número de mortes. Este arsenal simbólico não tornou a coisa menos traumática, pelo contrário.
Quanto às imagens, não faltaram, estávamos cheios delas.
No final, sem negar a seriedade desta pandemia, sua natureza global e as injustiças que ela tem destacado, acho um pouco difícil considerá-la como uma pura emergência do real.
E mesmo que quiséssemos dar-lhe este caráter real, não acho que os psicanalistas tenham qualquer interesse em assimilá-la a uma irrupção do real que seria traumática.
Aproveitarei a oportunidade que me é oferecida convidando-me para este colóquio para questionar esta categoria do real e, em particular, contarei com o nó borromeano que põe em questão a ideia do real que poderíamos ter tido até então.
Bernard NOMINE 21 septembre 2022