O (Mal) Dito Diagnóstico
Édipo, nosso querido conhecido de tantas décadas, foi ele submetido a um diagnóstico? Seria a fala do oráculo de Delfos uma proclamação “diagnóstica” de um certo destino? De uma certa maldição que recaiu sobre a família e recairia também sobre essa pobre criatura?
Faço essa provocação, talvez antiga, valendo-me da lembrança do texto de Maud Mannoni (1964), e sublinhando o papel significante que o diagnóstico tem no interior do jogo das posições entre mãe e criança. A autora nos conta que, a partir da fala do médico, a relação se encerra sobre o significante-diagnóstico. Cria-se um acúmulo de sentido, que o diagnóstico suscita, recaindo sobre o paciente como um símbolo de impotência e ancoramento, modificando tudo em sua vida. O que era suspeito — e, às vezes nem chega a tanto — passa a ser evidente; e o evidente se posiciona no centro do palco, das luzes, dos olhares e das relações do indivíduo.
Retomo a minha provocação inicial, pois me parece que é exatamente desse modo que Laio, o pai do futuro parricida Édipo, indignado e temendo sua própria morte, encara seu filho, ainda em seu colo, um pequeno assassino. Não foi ele o agente da autoridade que determinava a leitura do destino? Resguardo-me da leitura mítica do texto propriamente dito, do literário em si, para aproximar a importância da fala do médico com a do oráculo.
A fala do médico, aquele que vai diagnosticar uma criança, um jovem, um senhor, tem um poder não esperado, ou ao menos não compreendido em sua dimensão simbólica de marcar o indivíduo e, assim, exercer o seu poder em posicioná-lo na cadeia do discurso, como um novo ponto de partida. Foi isto que Mannoni constatou em sua clínica: a existência de uma paralisação do desenvolvimento intelectual nas crianças após o diagnóstico. O médico diagnostica a patologia, e isto nomeia o sujeito, ancorando a relação mãe-criança nessa nomeação. A criança, por exemplo, a partir desse diagnóstico, comumente deixa de ser vista como aquela figura caótica, frágil, criativa e em desenvolvimento para, através dessa nomeação médica, ser a representante de seu sintoma.
O poder dessa nomeação é levado em consideração por Lévi-Strauss em relação ao poder nosológico e de tratamento dos xamãs. A identificação do autor da pregnância do simbólico ao mundo do indivíduo foi um marco em seu tempo, chamando a atenção de Lacan. A proposta de que existe na miríade afetiva e de significações da civilização, uma aderência, estrondosamente inaudita, dos indivíduos à linguagem, à cultura, ao significante e ao significado é importante, pois é a partir dessa cooptação ao simbólico que o xamã pode exercer sua cura e que constitui terreno fértil onde Lacan encontrará espaço elaborativo para a psicanálise.
Pelo que exponho, não defendo aqui a causa dos que se opõem ao ato de diagnosticar. Não estou aqui escrevendo um pequeno manifesto antimedicina ou antinosologia. Meu esforço é desenhar um traço, juntando-me a tantos outros analistas para sublinhar o necessário ânimo, uma forma de tomar um fôlego nos tempos de hoje para que a psicanálise não seja capturada nisso. Que algo escape à tentativa de capitalizar a subversão própria que Freud inaugura e que, diante dessa enxurrada de nomes, designações, enclausuramentos do desejo frente ao desconhecido do Real do sintoma, algo do sujeito permaneça em questão.
Lacan, em A Direção do Tratamento (1958), traz uma elaboração pertinente a respeito de Anna Freud e sua análise das resistências: é a problemática do pattern. O padrão – ou melhor, a padronização e o que se entende socialmente pelo sofrimento, ou pelas demandas dos sujeitos, como seus desvios, entraves, assim como seus sucessos e logros financeiros – é compreendido socialmente como padrão de sucesso ou resolução. Lacan muito bem pontua que isso não atende à dignidade da direção do tratamento.
Lévi-Strauss, em sua Antropologia Estrutural (1958), levanta um ponto importante:
Surge aí um perigo considerável, o de que o tratamento (à revelia do médico, evidentemente), longe de chegar à solução de um distúrbio preciso, sempre respeitosa do contexto, se reduza à reorganização do universo do paciente em função das interpretações psicanalíticas. O que significa que cairíamos, como ponto de chegada, na situação que fornece o ponto de partida e a possibilidade teórica ao sistema mágico-social que analisamos. (p. 199)
Essa padronização, ou a aspiração a tornar-se “carpinteiro do universo” — como diria Raul Seixas — é algo de que o analista, enquanto função de desejo de analista, não se torna nunca autor. Surge ai um duplo perigo. O primeiro, a determinação do Outro médico e sua potência no dito sobre um indivíduo e a capacidade de nortear a bússola do sujeito de forma determinante. O segundo é sua ausência completa, assunto que Soler pontua logo no começo de seu livro A Querela dos Diagnósticos (2018), e que, na clínica psicanalítica, é preciso identificar, demarcar pontos, pois é preciso um direcionamento do tratamento, afinal de contas.
A regra de ouro, a fala livre, o ouvido livre e o desejo em questão: essas são as veias por onde corre uma análise, e isso é o que, fundamentalmente, se oferece ao analisante. É em função disso que é necessário um certo tipo de esforço, como fazemos aqui neste momento, para que a psicanálise seja sempre algo por acontecer. Que a ética da psicanálise não se desligue de sua função de fazer falar o desejo inconsciente e que o inconsciente, a peste que Freud levou às Américas, encontre sempre bons ouvintes.
FELIPE PESSOA
Membro de Escola da EPFCL- RDB-Recife,Psicanalista, Psicólogo, Especialista em Psicologia Clínica.
Referências Bibliográficas
MAUD. Manonni. (1964) A criança Retardada e a Mãe. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
SOLER, Colette. A querela dos diagnósticos. São Paulo: Blucher. 2018.
LÉVI-STRAUSS, Claude. (1958) Antropologia Estrutural. São Paulo: Cosacnaify, 2008.
LACAN, Jacques. (1958) A Direção do Tratamento. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.