Discernimento
O tema que nos reunirá em breve – A (diz)função do diagnóstico na atualidade – abre um leque de questões que vai muito além da que introduz o feliz jogo ortográfico de seu título. À guisa de prelúdio, gostaria de esboçar uma brevíssima reflexão sobre o diagnóstico “na atualidade”.
Não é raro que psicanalistas deplorem a proliferação de diagnósticos (tipo DSM), não somente no discurso comum, mas também, no discurso daqueles que os procuram afirmando “tenho” TDAH (transtorno do déficit de atenção com hiperatividade)”, “TEA” (transtorno do espectro autista), ou “sofro de TEPT” (transtorno de estresse pós-traumático) …
Tal fenômeno não reflete, em realidade, nada de fundamentalmente “novo”. Podemos certamente datar tais expressões, observar um incremento de sua utilização, mas, o fenômeno em si, nada tem de estruturalmente inédito.
Cada sujeito tenta nomear o mal-estar que lhe subjuga com os significantes de que dispõe, e sabemos que o neurótico é, essencialmente, um sujeito em busca de identidade e que a linguagem é incapaz de lhe oferecer uma que seja inabalável. Também custa-lhe suportar sua própria singularidade, em especial a de seu sintoma e a de seu gozo. Desses fatores provém o sonho neurótico de ancorar (ou de deduzir) seu ser particular em/de um universal. Os diagnósticos que promovem uma “rotulagem classificatória universal[1]” respondem a esse anseio humano, pelo menos… temporariamente.
“Ele acredita no universal, mas não sabemos porquê, já que é como indivíduo particular que ele se entrega aos cuidados do que chamamos um psicanalista[2].”
Cabe ao discurso analítico oferecer ao sujeito uma outra possibilidade: a de discernir/decidir[3] com seus próprios ditos a razão de seu sofrimento.
Elisabete Thamer – A.M.E. da EPFCL, Membro da EPFCL-França, Doutora em Filosofia Universidade Paris IV (Sorbonne), Psicanalista em Paris.
[1] Cf. apresentação do tema: https://epfclrdb.com.br/viii-coloquio-epfcl-rede-diagonal-brasil-preludios/
[2] J. Lacan, « Le rêve d’Aristote », in A. A. Sinacoeur (dir.), Aristote aujourd’hui, Toulouse, Érès, 1988, p. 23. Tradução pessoal.
[3] Diágnosis (διάγνωσις): ação de discernir; decidir. Diagignósko (διαγιγώσκω) [διά, entre + γιγώσκω, aprender a conhecer, se dar conta…]. Cf. A. Bailly, Dictionnaire Grec-Français, Paris, Hachette, 1959.