V COLÓQUIO DO FÓRUM DO CAMPO LACANIANO REDE DIAGONAL BRASIL
QUE CORPO SE TRATA NA PSICANÁLISE?
“Há um “corp’a’screver” (…) “dizer que [o corpo] é matéria, pensando vísceras e humores, é uma forma de maledicência, ou de cegueira”. (Maria Gabriela Llansol).
A psicanálise não trata o corpo biológico, anatômico, o corpo das neurociências, da genética ou das novas tecnologias. Não é uma técnica do corpo e não promete qualquer progresso em torno das infindáveis ofertas de tratamentos do corpo. Ela ocupa-se do corpo afetado pela linguagem, afetado pelo inconsciente, com sua diversidade de gozo. Ocupa-se dos efeitos singulares sobre o corpo de tantos problemas sociais, políticos, econômicos e os excessos do mercado.
Os discursos que prometem tratar os corpos têm uma política, inserem-se em práticas do mercado, criam também corpos segregados, condições à multiplicação dos traumatismos[1] e sintomas inusitados. Na contramão desses discursos, a psicanálise trata o descompasso entre sujeito, corpo, sintoma e gozo. O saber articulado em uma análise é um saber não-todo, marcado por um real que não se obtura.
Freud inventou a psicanálise porque soube escutar a subversão do sintoma sobre o corpo biológico. Extraiu disso noções sobre o corpo. Corpo erógeno, afetado pelas palavras, sensível ao olhar e ao discurso do Outro.
Lacan radicaliza as noções de corpo ao propô-lo como um nó, contingente, entre real, simbólico e imaginário. Nó que deixa um resto inassimilável. O sujeito não é, pois, seu corpo. No melhor dos casos, ele tem um corpo. A psicanálise trata a contingência dos efeitos do inconsciente sobre o corpo falante. Contingência do trauma. “O sintoma é um acontecimento de corpo”, dirá Lacan[2]. Algo que não se pode prever, controlar. Não é da ordem do déficit, desvio, não se universaliza. Um corpo que apenas acontece, efeito do que Lacan nomeou de lalíngua. “Corp’a’screver”, contingência corporal, a-na-tomia.[3]
A questão “Que corpo se trata na psicanálise?” desse Colóquio é um convite à reflexão das noções de corpo, analisá-las com os problemas de nossa época para cernir os efeitos sobre nossa prática, inclusive a on-line.
Ângela Mucida
AME da EPFCL – FCL Rede Diagonal Brasil – Belo Horizonte
(pela Comissão Científica)
[1] A propósito ver Soler, C. Em–corpo do sujeito, Salvador, Agálma, 12a Aula, 2019.
[2] Lacan, J. Joyce Outros escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2003, p. 565.
[3] Lacan, J. O seminário. Livro 20. Mais ainda (1972), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985, p.127.